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Carf bate maior valor em julgamentos tributários em quatro anos

 

EDUARDO CUCOLO
SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS)

Apesar de ter funcionado de maneira precária em 2023, o Carf (Conselho Administrativo de Recursos Fazendários) fechou o ano passado com o melhor resultado em termos de valores julgados desde 2019.

Segundo dados preliminares, foram R$ 230 bilhões em ações tributárias analisadas de janeiro a setembro. O ano passado foi marcado pelo cancelamento de sessões, greves de auditores fiscais e um vaivém nas regras de julgamentos.

O órgão também passou pela maior renovação de conselheiros desde a reformulação de 2015-2016, após a Operação Zelotes, que investigou a venda de sentenças no conselho —com o vencimento do mandato de muitos que entraram naquela época.

O Carf é o órgão do Ministério da Fazenda responsável por julgar recursos sobre autuações da Receita Federal em matéria tributária e aduaneira. Possui 15 câmaras de julgamento e cerca de 150 conselheiros, divididos de forma paritária entre representantes dos contribuintes e do Fisco.

Embora não tenha função arrecadatória, o governo espera que mudanças no seu funcionamento gerem uma receita extra de R$ 55 bilhões em 2024.

Uma vitória da Fazenda no conselho não significa necessariamente dinheiro em caixa para o governo. Contribuintes, sejam empresas, sejam pessoas físicas, podem ainda recorrer ao Judiciário, o que geralmente ocorre nas discussões tributárias de grande valor.

A aposta do governo é que a nova lei do Carf, sancionada no final de 2023, ajude a mudar esse cenário.

A lei teve como ponto de partida a medida provisória apresentada em janeiro para acabar com o voto de desempate pró-contribuinte que vigorava desde 2020.

Desde aquele ano, o governo vinha segurando o julgamento de casos de alto valor para evitar derrotas em grandes discussões tributárias. Com isso, o número de casos no estoque do Carf caiu 35%, mas o valor daqueles que ficaram represados quase dobrou.

A resistência do Congresso em aprovar a proposta do governo gerou incertezas sobre a aplicação da nova regra, que previa o voto de desempate por um representantes do Fisco. Ainda assim, a Fazenda conseguiu vitórias relevantes até setembro.

Com a sanção da nova lei do Carf, naquele mês, mais casos de alto valor foram pautados —o julgamento é paritário, mas quem controla a pauta é o governo.

Somente em outubro, a Fazenda obteve uma série de vitórias, com pelo menos R$ 12 bilhões em autuações da Receita confirmadas. Mais da metade do valor envolvendo a Petrobras.

Ainda assim, muitos casos grandes foram retirados da pauta de julgamento e ficaram para serem analisados novamente a partir deste ano.

“Com aquela instabilidade sobre o voto de qualidade [jargão para voto de desempate], não se sabia qual era a regra de desempate, as partes pediam para tirar o processo de pauta. A gente teve uma leva grande de processos que agora vão ser redistribuídos”, afirma Livia Germano, especialista na área tributária do Barros Pimentel Advogados.

Germano é uma das representantes dos contribuintes que estavam no Carf desde a reformulação de 2015, mas saiu em meados de 2023, após atingir o limite de mandato de oito anos.

No final do ano, o governo enfrentou como novo entrave a greve dos auditores da Receita, incluindo aqueles que atuam como representantes da Fazenda no conselho, e os julgamentos só foram retomados após uma decisão do STJ (Superior Tribunal de Justiça).

Segundo o balanço do Carf, houve empate em cerca de 3% do número de casos julgados no ano passado até outubro. Geralmente, isso ocorre nas grandes teses tributárias que seguem até hoje sem solução no Judiciário, como casos de tributação de lucros no exterior e ágio em fusões e aquisições.

Gisele Bossa, sócia da área tributária do Demarest e ex-conselheira do Carf, afirma que a pauta de julgamentos de janeiro prevê novamente a discussão desses temas, incluindo autuações de valor superior a R$ 1 bilhão.

Segundo ela, os casos de alto valor têm sido priorizados pela Fazenda, independentemente da antiguidade ou não da discussão.

Para facilitar que esses valores se transformem em arrecadação, a nova lei do Carf prevê o pagamento em condições vantajosas para o contribuinte que perca a ação com o voto de qualidade.

A tributarista afirma que as vantagens de redução de juros e multas não garantem que os contribuintes desistirão de questionar as decisões do Carf no Judiciário.

Ela cita ainda que a lei validou a aplicação retroativa do desempate pelo Fisco ao longo de 2023, mas é possível que alguns contribuintes que perderam a discussão, com base em uma medida provisória que caducou, contestem esses resultados.

“É muito incongruente o discurso de que o Carf vai gerar arrecadação pura e simplesmente. Não vai. Você tem muita briga”, afirma a ex-conselheira que ficou no órgão de 2018 a 2022.

Outra questão para 2024 é a renovação nos quadros de conselheiros. Livia Germano, do escritório Barros Pimentel, que deixou o conselho em julho do ano passado, afirma que foi um ano atípico para o Carf, mas diz esperar uma retomada dos julgamentos e alguma estabilidade a partir de agora.

“As turmas estão completamente reformuladas do lado dos contribuintes. Do lado do Fisco também saiu muita gente. Mas a gente espera que o Carf engrene de novo e volte a julgar.”

No final do ano passado, o conselho divulgou um novo regimento, com medidas como a criação de plenário virtual e reformulação das turmas de julgamento. Houve redução no número de conselheiros por turma de oito para seis e aumento do tempo total de mandato para até 12 anos.

Por Redação Jornal de Brasília

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