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Americanas quer que fornecedor se comprometa a não processá-la


A Americanas não quer ficar desabastecida e precisa de caixa. Qualquer um que circule pelas suas lojas dois meses após o início da recuperação judicial percebe dois movimentos na varejista: falta variedade nas prateleiras; e atendentes empenhados em oferecer as promoções do dia ao consumidor.

Já no ambiente online, a empresa vem perdendo representatividade para os maiores rivais, com destaque para Mercado Livre, Amazon e Magalu, junto a fornecedores da área de eletrônicos. Esta perda de presença já havia sido identificada em pesquisa da NielsenIQ|Ebit.

Apesar do ambiente competitivo, das vendas restritas por conta da inflação e do endividamento do consumidor, a Americanas não poupou os fornecedores no seu plano de recuperação judicial. 

Especialmente aqueles a quem chama de “credores fornecedores colaboradores”, que continuam abastecendo a varejista após o escândalo contábil. É o caso de grandes empresas como Nestlé, Mondelez, Samsung, Positivo e L’Oréal.

“O fornecedor aceita as condições ou toma um deságio”, resume o advogado especialista em recuperação judicial Filipe Denki, da Lara Martins Advogados.

No plano apresentado pela varejista na noite de segunda-feira (20), a empresa convoca os “fornecedores colaboradores” a retornarem as operações dentro de 30 dias, a contar do próximo dia 31 de março, “nos mesmos volumes, sortimento, prazo de entrega e condições acordados entre a companhia e o respectivo credor fornecedor colaborador.”

A empresa requer ainda que o fornecedor retome “imediatamente outras negociações acessórias, como verbas, anúncios online, bônus, de forma a permitir o reestabelecimento das margens combinadas”.

Outra condição é “a extensão imediata de prazo de pagamento para o grupo”, conforme o praticado entre as partes durante o ano de 2022. Esta condição valeria a partir da quitação integral do crédito quirografário do respectivo fornecedor, que deve ser pago em uma única vez, sem desconto e sem correção, em até 15 dias após a conclusão do aumento de capital, da ordem de R$ 10 bilhões, ou até um ano depois da homologação do plano de recuperação judicial –o que ocorrer primeiro.

Mas o “credor fornecedor colaborador” precisa cumprir alguns requisitos para receber seu pagamento, caso contrário os descontos sobre o saldo a receber serão progressivos. Se ele descumprir as condições acima ou atrase a entrega de mercadorias durante 30 dias consecutivos, o total a receber será descontado em 5%. Se os problemas ocorrerem por 60 dias, o desconto dobra para 10%. Após 90 dias, o saldo remanescente será debitado em 20%. Caso o descumprimento atinja 120 dias, o desconto vai a 40%.

Até que, com 150 dias consecutivos de problemas no fornecimento, a indústria ou importador terá só metade do crédito a receber. “E o respectivo credor fornecedor colaborador deixará de ser considerado um credor fornecedor colaborador e receberá o pagamento do saldo remanescente do seu crédito quirografário nos termos da Cláusula 6.2.6. [em 48 parcelas]”, diz o plano.

O “mais espantoso” no plano, na opinião de Denki e de outros advogados ouvidos pela Folha, diz respeito ao “compromisso de não litigar” previsto em uma das cláusulas. Significa que, para ser um fornecedor colaborador, a empresa se compromete a não processar a Americanas no futuro.

“Os credores fornecedores colaboradores que tenham interesse em receber o pagamento de seus créditos quirografários nos termos definidos nesta Cláusula 6.2.7 deverão estar adimplentes com seu compromisso de não litigar”, diz o plano.

A cláusula determina que os credores quirografários e fornecedores colaboradores, ou seja, bancos e indústrias, “estarão obrigados a não ser parte em nenhuma demanda contra as recuperandas, suas afiliadas, seus acionistas ou administradores; requerer a suspensão ou desistir de toda e qualquer demanda contra as recuperandas, suas afiliadas, seus acionistas ou administradores; e/ou se abster de tomar qualquer medida de execução ou ajuizar qualquer demanda contra as recuperandas, suas
afiliadas, seus acionistas ou administradores.”

“Esta é uma cláusula polêmica, porque deixa os fornecedores de mãos atadas”, diz Denki. “Se eles aceitam durante a recuperação judicial e, após sair deste período, a Americanas não cumpre com o combinado, não podem processá-la”, afirma. Impedir que alguém acione a Justiça é inconstitucional, lembra.

Um dos trechos do plano fala, inclusive, que a Americanas terá a “opção, mas não a obrigação” após a data da homologação do plano, de quitar a totalidade ou parte do saldo remanescente dos créditos dos fornecedores colaboradores “mediante a utilização de eventuais créditos, benefícios, bônus ou equivalentes, concedidos pelo respectivo credor fornecedor colaborador.”

Para um fornecedor da área de eletroeletrônicos, que prefere manter o anonimato, não está claro que condições a varejista quer manter de 2022. Segundo ele, no ano passado, a Americanas pedia 60 dias de prazo para pagamento, mas sempre extrapolava para 90 ou até 120 dias.

Este foi, por sinal, um dos motivos para a origem da crise –as operações de risco sacado, em que o banco adiantava o pagamento ao fornecedor, e recebia depois da Americanas. Ao que se sabe até o momento, os juros pagos ao banco não estavam sendo computados corretamente nos balanços, fazendo com que os resultados parecessem melhores do que realmente eram.

De acordo com este fornecedor, ninguém quer que a Americanas quebre –mas a sua importância no varejo online já está sendo preenchida pelos rivais. A capilaridade das lojas físicas, porém, é mais difícil de substituir. Este fornecedor pretende analisar melhor os termos com sua área jurídica para decidir se adere ou não ao plano. As dívidas já estavam cobertas pelo seguro de crédito.

Já para uma pessoa ligada a um dos credores financeiro, que também falou em condição de anonimato, o plano é ruim, mas não havia “esperança” de que essa primeira versão seria boa. A primeira versão do plano será alvo de objeções dos credores e vai ser discutida em assembleia, antes de ser levada para homologação na Justiça. O caminho envolve diversos ajustes.

Até lá, a Americanas terá tempo para se acertar com os maiores credores, os bancos, que sozinhos detêm uma dívida perto de R$ 20 bilhões. No momento, os credores financeiros exigem que os principais acionistas –o trio de bilionários formado por Jorge Paulo Lemann, Marcel Telles e Carlos Alberto Sicupira– aportem além dos R$ 10 bilhões, chegando a R$ 12 bilhões.

De acordo com essa pessoa ligada aos bancos, não era esperado um valor maior que os R$ 10 bilhões nesta primeira versão do plano. Mas os próximos 30 dias, prazo que os credores têm para oferecer objeções ao plano, é decisivo. Segundo o interlocutor, a Americanas sabe que não pode chegar à Assembleia Geral de Credores, que deve ocorrer no começo de julho, sem ter se acertado com os bancos.

A empresa precisa da aprovação de 50% dos credores mais um a fim de que o seu plano seja homologado pela Justiça. Para esta pessoa, é preciso agilizar a negociação com os bancos para que o prazo legal não seja comprometido. Ao mesmo tempo, a varejista precisa correr contra o tempo para não perder competitividade perante os rivais, especialmente nas lojas físicas, onde está o seu maior diferencial.

Daniele Madureira

São Paulo, SP

Por FolhaPress

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