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Como redes de apoio podem ajudar no combate à mortes em pacientes com Epilepsia

 

Foto: Reprodução

A epilepsia é uma doença que causa perturbação das atividades das células nervosas do cérebro, uma síndrome que é gerada por uma alteração, onde os sinais neuronais estão desorganizados. Na definição do médico psiquiatra Tiago Turci, que faz parte da equipe de saúde mental do Hospital Sírio-Libanês; “Podemos usar como exemplo o baterista de uma banda que de repente, no meio da música, começa a tocar fora do compasso e do ritmo dos demais músicos”.

O psiquiatra explica que a doença pode ser confundida com algum transtorno psiquiátrico inicialmente, o que reforça o incentivo à procura de bons profissionais para o tratamento e detecção da doença, conscientização da família e pessoas ao redor do paciente sobre as implicações da epilepsia, a fim de afastar estigmas em relação ao diagnóstico, aumentar e fortalecer uma rede de apoio.

“Não é raro adolescentes com queixas de ansiedade excessiva, alteração repentina de humor e comportamento, irritabilidade e relatos de muitos déjà vu (aquela sensação que por vezes nos acomete, de estarmos em algum local e termos a percepção que já vivenciamos aquele momento). O diagnóstico, em alguns casos assim, era uma epilepsia de lobo temporal, um tipo variação da doença parcial, que acomete apenas um dos hemisférios cerebrais. A crise de ausência, também um tipo de epilepsia parcial, por vezes é confundida com algum transtorno psiquiátrico”, pontua Tiago.

A doença é uma condição muito comum e afeta cerca de 65 milhões de pessoas no mundo, de todas as idades, raças, gêneros e condições socioeconômicas. Segundo dados do Instituto de Psiquiatria do Hospital das Clínicas, a epilepsia é o mais frequente transtorno neurológico sério. Abrange cerca de 40 milhões de pessoas em países em desenvolvimento. Entre as consequências da doença estão: morte súbita, ferimentos, problemas psicológicos e transtornos mentais.

A epilepsia pode ser classificada em três tipos. A médica neurologista Elza Yacubian, professora adjunta do departamento de Neurologia e Neurocirurgia da Universidade Federal de São Paulo, Unifesp, explica quais são e como funciona cada tipo. “Existem três tipos: idiopáticas, ou seja, epilepsias não lesionais, provavelmente relacionadas à genética; sintomáticas, nas quais as crises são decorrentes de lesões cerebrais bem definidas e ainda aquelas cuja causa não pode ser detectada pelos métodos atualmente disponíveis”.

Na sequência, Elza continua explicando que embora crises epiléticas possam ocorrer como consequência de várias doenças neurológicas genéticas, a maioria das derivações da síndrome não apresentam um padrão herdado evidente. “O risco genético é dependente do tipo de epilepsia. Para indivíduos com crises focais a possibilidade de que seus filhos desenvolvam epilepsia é cerca de 5% e para aqueles com manifestações generalizadas, em torno de 12%”.

Meningite e Epilepsia


Existem muitas causas para o desenvolvimento de epilepsia. Entre elas estão doenças como meningite, tumores cerebrais, Acidente Vascular Cerebral, (AVC), formações erradas do tecido cerebral e infecções. O médico neurologista Carlos Roberto Martins, doutor pela Universidade Estadual de Campinas, Unicamp, explica como a meningite pode ser um grande fator para o desenvolvimento de epilepsia, o que ressalta ainda mais a importância de vacinação para prevenção da doença na infância e idade adulta. “A meningite, sem dúvida, é uma das principais causas de epilepsia. Em casos graves da doença pode ocorrer lesão do tecido cerebral, seja pela própria infecção ou por alterações vasculares, o que leva à formação de focos predisponentes à descargas cerebrais anormais, levando à crises convulsivas. Não raro, a epilepsia aparece como sequela de uma meningite na infância”, explica.

A Morte Súbita Inesperada

Um dos fenômenos relacionados à epilepsia é a Morte Súbita Inesperada. Ela acontece quando uma pessoa com a doença morre repentinamente, mesmo num estado habitual de saúde dentro dos padrões de normalidade. Carlos Martins explica um pouco os fatores que causam esse acontecimento. “A presença da epilepsia, por si, já acarreta uma elevação de duas a três vezes o risco global de mortalidade por diversas causas, como por exemplo, status epiléptico, acidentes automobilísticos, quedas, afogamento, suicídio, aspiração e pneumonia. A Morte Súbita Inesperada em Epilepsia, Sudep, é definida como a morte em pacientes associada ou não a uma convulsão, de forma repentina, inesperada, presenciada ou não, excluindo-se causas traumáticas como afogamento e estado de mal epiléptico, onde a necropsia não vai revelar uma origem toxicológica ou anatômica por trás do óbito”.

O neurologista continua discorrendo. “O mecanismo subjacente da Sudep ainda permanece desconhecido. Todavia, as principais hipóteses incluem desregulação da função autonômica acompanhada de alterações cardiovasculares e respiratórias. Ocorre, usualmente, no período noturno e acomete com maior frequência adultos jovens entre 20 e 40 anos com crises generalizadas”.

A neurologista Elza Yacubian aponta mais motivos que levam pacientes com epilepsia a morrerem em decorrência da síndrome. “Vários mecanismos fisiopatogênicos têm sido implicados em desencadeamento de morte súbita em epilepsia, como depressão respiratória, arritmia cardíaca, apneia obstrutiva do sono e disfunção autonômica. Há evidências de que os próprios mecanismos envolvidos na interrupção das crises possam ocasionar a morte por excesso de inibição cortical – que é uma desordem entre o cérebro e outros fatores, como emoções”.

A médica dá dicas de como evitar a morte inesperada. “A prevenção desta complicação envolve o melhor controle das crises, a não utilização de politerapia – que é a ingestão de múltiplos medicamentos para o tratamento da doença – o uso de travesseiros anti-sufocantes e o acompanhamento do sono, com assistência ao paciente após o término da crise através de sua mobilização e estimulação”.

A importância das redes de apoio


Embora atualmente a farmacologia disponha de vários medicamentos eficazes, cerca de 30 a 40% dos pacientes com epilepsia não respondem de forma satisfatória aos medicamentos antiepilépticos, sendo assim potenciais candidatos a tratamentos mais invasivos, como procedimentos cirúrgicos, o que torna a conscientização de enfrentamento da epilepsia algo de extrema importância, que requer atenção às informações não somente ao paciente, mas em toda sua rede de apoio como família e amigos.

Esse suporte, junto com os tratamentos médicos e terapias adequadas a cada realidade, reduz o risco do desenvolvimento de outras doenças, segundo o médico Carlos Martins. “Depressão, ansiedade e pensamentos suicidas são extremamente comuns em pacientes com epilepsia. Tais pessoas têm um risco de três a quatro vezes maior de suicídio quando comparados a população geral. Em virtude disso, acompanhamento psicológico e psiquiátrico são muito bem-vindos, a fim de garantir melhor qualidade de vida e bem-estar”.

Segundo Elza Yacubian a depressão é a comorbidade psiquiátrica mais frequente na epilepsia. “Está presente em 22,9% dos pacientes em geral. É de duas a três vezes ainda mais prevalente em epilepsias refratárias, como a epilepsia mesial temporal por esclerose hipocampal, um tipo de epilepsia focal frequente”, pontua ela.

O psiquiatra Tiago Turci reforça a importância da medicalização correta e da preservação da saúde mental do indivíduo. “O paciente com diagnóstico de epilepsia precisa realizar o tratamento medicamentoso para interromper as crises e cessar a atividade anormal do cérebro. O tempo de tratamento vai depender de cada caso, não necessariamente o paciente precisará fazer uso de medicação para o resto da vida. Além do tratamento medicamentoso, o autoconhecimento é muito importante para a pessoa evitar situações estressantes e gatilhos que possam levar a uma nova crise”, alerta Tiago.

Os especialistas são unânimes; é de extrema importância que a família da pessoa com epilepsia esteja presente no tratamento. Além de serem aliados, podem ajudar na evolução do processo de controle da doença. “É necessário que os familiares sejam bem orientados e saibam agir com calma diante de uma crise. Ajudar o paciente a não esquecer de tomar a medicação e ir a visitas periódicas ao médico. Incentivá-lo a ter uma vida normal, com qualidade e não ter preconceitos com a doença, epilepsia não se transmite e não é loucura”, enfatiza Tiago Turci.

Entre várias outras redes de apoio, pacientes e familiares podem procurar a Associação Brasileira de Epilepsia, ABE, que é um órgão atuante no combate aos estigmas relacionados à doença e a desinformação. Carlos Martins finaliza enfatizando que o apoio de amigos e parentes auxiliam a pessoa com epilepsia a sanar os danos e reduzir as mortes causadas pela doença. “Tais redes ajudam o paciente a lidar com a condição, oferecendo ajuda profissional de modo multidisciplinar. Isso é notório no sentido de reduzir as mortes relacionadas à epilepsia, pois o conhecimento é o maior aliado para a redução das complicações advindas dessa condição tão comum em nosso meio”.

Estadão conteúdo

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