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Doações da Codevasf vão parar em imóvel particular e entidade de político, diz CGU

 

Foto: Divulgação/CGU

Artur Rodrigues e Flávio Pereira

A CGU (Controladoria Geral da União) constatou que veículos e equipamentos doados pela Codevasf vão parar em imóveis particulares, são usados mediante cobranças de taxas e destinados até a entidades chefiadas por políticos.

A apuração aponta risco de desvios nas doações dos equipamentos a associações, que são feitas sem nenhum critério ou estudo técnico e sem acompanhamento da sua destinação.

A Codevasf (Companhia de Desenvolvimento dos Vales do São Francisco e do Parnaíba) é a estatal entregue na gestão de Jair Bolsonaro (PL) ao centrão. Agora, a empresa é cobiçada pelo mesmo grupo durante o governo de Luiz Inácio Lula da Silva (PT).

Além de doar veículos a prefeituras, a estatal também beneficia entidades particulares com entregas que incluem kits de panificação e freezers, barcos de alumínio, furgões, caminhões basculantes, caminhões de lixo, tratores, implementos agrícolas, motoniveladoras e retroescavadeiras.

Para facilitar o escoamento dos valores, a Codevasf chegou a criar um catálogo de bens para políticos escolherem como agradar seus redutos e indicarem à estatal onde, quando e como gastar.

Para os auditores, esse tipo de prática sem fiscalização acarreta em risco de vantagens indevidas e desvios. No ano passado, antes das eleições, a empresa chegou a fazer até R$ 100 mil por hora em doações, com distribuição de equipamentos entre aliados políticos do governo e de parlamentares.

Apuração divulgada na última semana verifica doações que somam quase R$ 100 milhões, feitas pela unidade da Bahia da Codevasf sediada em Bom Jesus da Lapa, área de influência do deputado federal Elmar Nascimento (União).

Uma das tarefas da auditoria envolveu o rastreamento do destino dos equipamentos, por amostragem. De nove veículos e máquinas doados verificados, em dois casos os equipamentos foram encontrados em propriedades particulares. “O equipamento doado à Associação dos Pequenos Produtores Rurais do Cubículo, com sede no município de Cocos, foi localizado em propriedade privada pertencente ao presidente da associação, que também é vereador do referido município”, diz a apuração.

Segundo os agentes, outras doações também foram achadas no local. O nome do político não aparece na publicação. Porém o presidente da entidade em questão, conforme contrato de doação feito no ano passado, é Gregson Luz, vereador pelo partido União Brasil na cidade.

Ele é aliado de Elmar Nascimento, conforme mostra publicação em suas redes sociais. “Elmar já tem uma história em nossa cidade, já votamos, já trabalhamos para Elmar Nascimento e já fomos agraciados por suas emendas parlamentares. Elmar Nascimento já beneficiou o nosso povo com tratores, implementos agrícolas, pá-mecânica, tubos”, disse o vereador durante evento com o deputado federal, como mostra publicação dele em agosto do ano passado.

Como o jornal Folha de S.Paulo revelou, a Codevasf fez a instalação de cisternas pela estatal em casas marcadas com adesivos de campanha de Elmar, na zona rural de Juazeiro (BA), no fim de setembro. O deputado federal indicou o atual presidente nacional da Codevasf e o superintendente regional da estatal na Bahia.

A reportagem localizou mais de R$ 700 mil em doações à Associação dos Pequenos Produtores Rurais do Cubículo em 2022, que incluem caminhão basculante de R$ 441 mil, tubos, kits de irrigação, entre outros.

Questionado pela reportagem, o vereador afirmou que o veículo não foi encontrado “exatamente” na propriedade dele. “É na propriedade de um dos associados e por ser um lugar seguro, com câmeras e caseiro 24 horas no local, uma vez que a região vinha sofrendo com pequenos furtos nas propriedades vizinhas”.

A reportagem pediu mais detalhes sobre o local, mas o vereador afirmou apenas que se trata do local “onde será construída a sede da associação” e que seria importante a reportagem ir ao local para obter mais esclarecimentos.

A CGU também afirmou que um representante da entidade ouvido teria dito “que o equipamento será individualmente cedido para seis comunidades da região, mediante cobrança de aluguel e taxas para uso”.

À reportagem, Paulo Gregson Luz afirmou que está havendo mal-entendido sobre a cobrança e que toda associação precisa que associados paguem taxa mensal e “além disso as despesas com abastecimento e diária de motorista e por conta de quem precisa do bem”.

Os auditores também encontraram máquina doada à Associação da Comunidade de São João, com sede no município de Santa Maria da Vitória, em propriedade privada em outra cidade, em São Félix do Coribe. Segundo a pessoa ouvida pelos auditores, o uso também seria compartilhado com terceiros.

A reportagem não localizou nenhum responsável por essa entidade. “Diante das situações expostas, considera-se que a ausência de elementos de controle pela Codevasf leva a existência de condições para que sejam materializados os riscos de uso ineficiente dos recursos do programa, de desvio de finalidade e até mesmos de que particulares eventualmente se apropriem dos objetos das doações”, dizem os auditores.

Além disso, segundo a CGU, a Codevasf também não faz estudos sobre os casos e “tem sua atuação restrita à realização das aquisições e dos repasses aos beneficiários indicados pelos parlamentares”.

Doações atendem ao interesse social, diz estatal federal

Questionada, a Codevasf afirmou que as doações “servem ao interesse social e são empreendidas no âmbito de projetos e ações de desenvolvimento”.

Segundo a estatal, a doação de máquinas e equipamentos a associações e cooperativas acontece quando há parecer técnico favorável.

Questionada sobre a localização das doações em propriedades particulares, a empresa afirmou que “o uso de equipamentos doados nas propriedades de associados e cooperados é característica inerente ao objetivo social da doação”.

“Além disso, muitas das entidades não possuem sede própria; nesses casos, suas reuniões ocorrem em locais como escolas, igrejas e quadras esportivas. Assim, a guarda do bem por associados tem por objetivos a segurança do equipamento e a redução de custos de vigilância”, diz a Codevasf.

Sobre a cobrança de taxas, a empresa afirmou que a deliberação é “exclusiva da entidade beneficiada, para pagamento de insumos, impostos, mão de obra, reparos e custos relacionados”.

A empresa afirmou ainda que realiza análise de resultados alcançados pelas doações por meio de amostragem.


Por FolhaPress

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