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Cidades na fronteira sofrem com altas taxas de homicídio e evasão escolar

 

Foto: PF

Com 588 municípios espalhados em 16 quilômetros de extensão, a região de fronteiras do Brasil sofre problemas que vão desde altos índices de criminalidade à falta de saneamento básico, passando por taxas elevadas de abandono escolar, mostram levantamentos recentes.

Para especialistas, faltam políticas públicas focadas nos limites do país e feitas de forma integradas entre União, estados e municípios.

Boa parte das regiões é dominada pelo crime organizado, o que atinge em cheio o desenvolvimento regional.

“O crime organizado está se aproveitando de um espaço que o Estado deixa de ocupar. O Estado precisa estar presente nas fronteiras não só na segurança, mas no desenvolvimento econômico”, diz Edson Vismona, presidente do FNCP (Fórum Nacional Contra a Pirataria e a Ilegalidade) e ex-secretário-adjunto da Justiça e Defesa da Cidadania do Estado de São Paulo.

E cada pedaço da costa oeste do país tem um problema distinto. Um estudo de 2021 do economista Pery Francisco Assis Shikida, professor da Unioeste (Universidade Estadual do Oeste do Paraná), aponta que é cada vez mais recorrente a cooptação da força de trabalho de crianças e adolescentes no contrabando de cigarros em Foz do Iguaçu e Guaíra, no Paraná, e Ponta Porã, no Mato Grosso do Sul, na fronteira com o Paraguai.

“O trabalho de crianças e adolescentes nessa região traz uma lucratividade acima da média, então eles são cooptados. Isso vai refletir em alguns indicadores sociais dos municípios, como a evasão escolar”, diz o professor.

No país, a taxa média de evasão escolar no ensino médio em 2021, segundo dados do Inep, foi de 5,6%.Já a média entre os municípios das fronteiras chega a 10,1%, de acordo com o Idesf. Em Ponta Porã (PR), essa taxa chega a 16,2%.

“Nas escolas onde fomos entrevistar professores, eles falavam que os meninos, quando não saem da escola, muitas vezes dormem na sala de aula, ficam cansados e, quando perguntados sobre o que está acontecendo, dizem que estão ‘puxando mercadoria’.”

Segundo Vismona, o contrabando é apontado como um delito de menor potencial ofensivo, por isso o aliciamento fica mais fácil. “Cria-se uma mística de que não é tão grave, mas é grave sim. Por trás disso existe uma movimentação de bilhões de reais que financiam as organizações criminosas.”

Perfil socioeconômico da região feito pelo Idesf (Instituto de Desenvolvimento Econômico e Social de Fronteiras) revela ainda outros desafios dos municípios nas fronteiras.

Em algumas cidades, o índice de homicídios por 100 mil habitantes, por exemplo, chega a ser três vezes maior que a média nacional, como é o caso de Caracaraí, em Roraima.

 A taxa no município, que tem forte presença do garimpo, é de 93,8, enquanto no país a média é 27,8, segundo dados de 2018.

“A segurança pública fica com o ônus de uma cadeia fracassada. Teve uma educação que não funcionou, um sistema de saúde precário para atender a todas essas áreas, uma falta de emprego e renda generalizada, impactada justamente por uma falta de visão estratégica”, diz Luciano Barros, presidente do Idesf.

Para Marco Aurélio Machado de Oliveira, professor titular da UFMS (Universidade Federal de Mato Grosso do Sul), faltam políticas públicas específicas para elas.

“A fronteira não é planejada, é lembrada quando os assuntos são aqueles que interessam ser lembrados. A fronteira é lembrada quando tem ilícito e violência”, diz. “Precisa ter uma política mais coerente, coesa e de longa duração.”

A falta de saneamento básico também é um grande gargalo, principalmente no Norte. Dados do Instituto Trata Brasil, de 2020, apontam que 40% da população da região não tem acesso a água e 86% não tem coleta de esgoto. E a situação piora na área de fronteira, segundo os especialistas.

“São áreas isoladas, deixadas de lado. Abandonaram a região na mão de madeireiros, de garimpeiros ilegais. Tudo isso faz parte de um processo que temos que desarticular”, diz Vismona.

Paulo Ziulkoski, presidente da CNM (Confederação Nacional de Municípios), avalia que a diz que falta uma integração maior entre União, estados e municípios para tratar da complexidade das fronteiras.
“Na hora de discutir, a União ouve o governador, não ouve os municípios.”

O presidente do Idesf defende a formulação de iniciativas que permitam aos municípios da fronteira gerar renda, diminuindo a dependência da União.

“A grande maioria [dos municípios de fronteira] tem dependência maior que 50% dos estados e da União. Então é preciso ter movimentações formais que permitam que esses municípios tenham condições de criar políticas públicas para se desenvolver”, completa.

Para o professor Oliveira, é necessário que o Estado reconheça que é preciso ter políticas públicas diferenciadas nas fronteiras, dado o distanciamento político das cidades que as compõem.

Ele destaca como eixos centrais educação, saúde e assistência social.

“Se pensarmos que em qualquer lugar desse país a distância entre os municípios e a União é enorme, imagine isso nas fronteiras.”

Emerson Vicente/ São Paulo, SP

Por FolhaPress

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