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BC vê debate sobre meta de inflação como um dos motivos para piora das expectativas, mostra ata

 

Foto: Antonio Cruz/Agência Brasil

Nathalia Garcia

Com “especial preocupação” diante da piora nas expectativas de inflação, o Copom (Comitê de Política Monetária) do Banco Central analisou os efeitos de uma eventual mudança na meta estabelecida pelo CMN (Conselho Monetário Nacional) e de uma política fiscal expansionista, conforme ata divulgada nesta terça-feira (7).

“Tal deterioração [de inflação de prazos mais longos] pode ter ocorrido por diversas razões, destacando-se, dentre esses fatores, uma possível percepção de leniência do Banco Central com as metas estipuladas pelo Conselho Monetário Nacional, uma política fiscal expansionista, que pressione a demanda agregada ao longo do horizonte de projeções, ou a possibilidade de alteração das metas de inflação ora definidas”, afirma a autoridade no documento.

Nas últimas semanas, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) criticou publicamente as metas de inflação fixadas para os próximos anos —os alvos são 3,25% em 2023 e 3% em 2024 e 2025, com margens de tolerância de 1,5 ponto percentual para mais ou menos.

O petista também tem reclamado dos juros elevados e atacado o presidente do BC, Roberto Campos Neto, a quem chamou de “esse cidadão” na semana passada. A autonomia da instituição, aprovada em lei em 2021, é outro alvo de questionamento.

Para aliados, Lula tem tentado forçar a autoridade monetária a reduzir a Selic em breve. As críticas do presidente à condução do BC, porém, têm elevado as projeções de inflação e pressionado os juros, gerando um efeito contrário ao pretendido pelo governo.

Por outro lado, o colegiado do BC afirmou na ata que, embora só trabalhe em seus cenários com políticas já implementadas, a execução do pacote que promete uma melhora fiscal de R$ 242,7 bilhões, anunciado pelo ministro Fernando Haddad (PT) em 12 de janeiro, poderia reduzir a pressão sobre a inflação.

A percepção de alguns economistas é que isso pode ser lido como o “hasteamento de uma bandeira branca pelo BC”. Tony Volpon, ex-diretor da instituição, escreveu em suas redes sociais que um esforço de comunicação em conjunto com a ata pode talvez evitar “a perigosa crise” que estava sendo contratada.

Na última quarta-feira (1º), o BC manteve a taxa básica de juros em 13,75% ao ano pela quarta vez consecutiva, na primeira reunião desde que Lula tomou posse.

Sobre a percepção de complacência do BC com os alvos a serem perseguidos, a autoridade monetária reafirmou seu compromisso para atingir as metas. “[O BC] avalia que, uma vez observada a desancoragem [piora da percepção dos analistas do mercado financeiro], é necessário se manter ainda mais atento na condução da política monetária para reancorar as expectativas e assim reduzir o custo futuro da desinflação”, acrescentou.

Quanto à política fiscal expansionista, o colegiado ponderou que a avaliação dos estímulos de demanda deve considerar o estágio do ciclo econômico e o grau da ociosidade na economia, enfatizando que a política de juros é o instrumento usado para mitigar possíveis efeitos inflacionários.

Com relação à eventual mudança nas metas de inflação, o BC disse que “mais importante do que a análise das motivações para a elevação das expectativas, o comitê enfatiza que irá atuar para garantir que a inflação convirja para as metas”.

Na noite de segunda, Haddad afirmou que os alertas do BC sobre a situação fiscal referem-se, sobretudo, ao legado deixado pelo governo Jair Bolsonaro (PL) para a atual administração, mas que a autoridade monetária poderia ter sido “um pouco mais generosa” após as medidas anunciadas pela gestão petista para melhorar as contas públicas.

Na ata, o Copom trouxe uma avaliação positiva sobre o pacote apresentado pela equipe econômica do governo Lula. “Alguns membros notaram que as medianas das projeções de déficit primário do Questionário Pré-Copom (QPC) e da pesquisa Focus para o ano de 2023 são sensivelmente menores do que o previsto no orçamento federal, possivelmente incorporando o pacote fiscal anunciado pelo Ministério da Fazenda”, disse.

“O Comitê manteve sua governança usual de incorporar as políticas já aprovadas em lei, mas reconhece que a execução de tal pacote atenuaria os estímulos fiscais sobre a demanda, reduzindo o risco de alta sobre a inflação”, acrescentou.

Em outro trecho do documento, o BC voltou a citar o conjunto de medidas, dizendo que “será importante acompanhar os desafios na sua implementação”.

No tema fiscal, o BC alertou para os riscos em torno da regra que substituirá o teto de gastos. “A revisão do arcabouço fiscal diminui a visibilidade sobre as contas públicas para os próximos anos e introduz prêmios nos preços de ativos e impacta as expectativas de inflação”, afirmou.

O Copom disse ainda que seguirá acompanhando o impacto dos estímulos fiscais sobre a atividade econômica e a inflação. Na ata, o comitê chama atenção para desaceleração da atividade, do crédito e do mercado de trabalho.

No comunicado logo após a reunião, o colegiado do BC tinha subido o tom com alertas sobre as incertezas fiscais e a piora nas expectativas de inflação, que estão se distanciando da meta em prazos mais longos. O comitê também sinalizou que pode deixar os juros no patamar atual por mais tempo –o mercado financeiro prevê para setembro o início do afrouxamento monetário.

Os recados provocaram um aumento de tensão na relação da autoridade monetária com o governo, gerando uma escalada nas críticas disparadas pelo presidente Lula contra o BC.

Durante a posse do novo presidente do BNDES, Aloizio Mercadante, no Rio de Janeiro, na segunda (6), Lula disse que a atual taxa básica de juros do país é “uma vergonha”. “Não existe justificativa nenhuma para que a taxa de juros esteja em 13,50% [o patamar da Selic está, na verdade, em 13,75%]. É só ver a carta do Copom para a gente saber que é uma vergonha esse aumento de juro”, afirmou.

Para aliados do Planalto, Campos Neto queimou pontes com o governo petista e reduziu suas chances de influenciar a indicação de novos diretores da autarquia –a lei da autonomia dá a prerrogativa ao presidente da República. A próxima troca está prevista para 28 de fevereiro, quando terminam os mandatos de dois integrantes.

Ainda na ata, alguns membros do colegiado do BC levantaram a hipótese de incorporar alguma elevação da taxa neutra de juros –que hoje é de 4%–, em direção ao movimento observado nas expectativas do mercado financeiro extraídas da pesquisa Focus. Mas a autarquia optou por manter o nível atual. “[O comitê] identificou que os impactos de uma elevação da taxa neutra sobre suas projeções crescem no tempo e passam a ser mais relevantes a partir do segundo semestre de 2024”, disse.

Na prática, a elevação do patamar da taxa neutra –aquela que não contrai nem estimula a economia– obrigaria o BC a dar uma dose adicional de juros para conseguir reduzir o nível de atividade econômica e frear a inflação até levá-la para seu objetivo.

Por FolhaPress


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