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Tachar ataques aos Poderes como terrorismo é perigoso, diz especialista em legislação brasileira

 

Manifestantes invadem Congresso, STF e Palácio do Planalto.

Uma mistura perigosa dos vieses político e jurídico vem ditando o debate público e o tom das autoridades brasileiras ao chamarem de terrorismo atos como a invasão e depredação das sedes dos três Poderes por bolsonaristas no domingo, 8, afirma o pesquisador Guilherme France, autor do livro As Origens da Lei Antiterrorismo no Brasil. Mestre em Direito pela Universidade do Estado do Rio de Janeiro (Uerj), em História pela Fundação Getulio Vargas (FGV) e doutorando no Instituto de Estudos Sociais e Políticos (Iesp/Uerj), France diz que os atos do fim de semana e questões subsequentes, como a supostamente criminosa derrubada de torres de transmissão de energia, não podem ser tipificados como atos terroristas, embora sejam, em tese, crimes. Isso porque a lei brasileira sobre terror, de 2016, fixa três requisitos claros para a classificação, um dos quais, a motivação por xenofobia ou discriminação não se concretizou nos episódios.

O especialista defende o uso de definições como “vândalos, golpistas ou fascistas” para classificar os bolsonaristas que atacaram o Palácio do Planalto, o Congresso e o Supremo Tribunal Federal. E rechaça qualquer reforma da lei. Isso abriria o debate em um Congresso mais conservador e, em grande parte, pró-Jair Bolsonaro, diz.

Os bolsonaristas que invadiram e depredaram as sedes dos três Poderes podem ser considerados terroristas?
Terrorismo é conceito político e jurídico amplamente contestado por ser passível de apropriações e interpretações diversas ao sabor do momento. Mas a legislação não permite que os atos de domingo sejam considerados terroristas. Juridicamente, não se aplica.

Por que não?
A lei antiterrorismo, 13.260/2016, exige que três requisitos estejam necessariamente presentes. O primeiro é a finalidade de provocar terror social generalizado, expondo a perigo integridade de pessoas e patrimônio. Isso aconteceu. O segundo é que os atos tenham atentado contra a vida ou determinadas instalações, o que também houve e pode ficar ainda mais evidente se comprovada a derrubada de torres de transmissão de energia no Paraná e em Rondônia. Mas o terceiro requisito, que os atos sejam motivados por xenofobia ou discriminação de raça, cor, etnia ou religião, não estava presente. A motivação foi político-ideológica.

Os extremistas têm apoiado sua defesa na Lei Antiterror.
O fato de não se enquadrar legalmente como terrorismo não impede, de forma alguma, a responsabilização daqueles indivíduos por ataques ao estado democrático de direito e dano ao patrimônio público, para ficar em só dois crimes de uma lista longa.

O uso do termo por Alexandre de Moraes indica que o STF pode ampliar o entendimento sobre terrorismo?
É difícil prever o que o STF vai fazer. Em outras ocasiões, o tribunal já teve uma interpretação extensiva do direito penal. Então, não seria de todo surpreendente que o Supremo ou outros juízes ampliassem.

Como vê a possibilidade?
Seria problemático. Sobretudo porque, à época, a exclusão da motivação político-ideológica foi decisão alcançada por parlamentares e considerada vitória dos movimentos sociais. Desvirtuar a lei pode gerar jurisprudência que, à frente, pode ser usada contra esses movimentos.

Como avalia uma revisão pelo próprio Congresso?
Absolutamente temerária. Qualquer proposta de reforma da lei antiterrorismo tem de levar em consideração a atual composição do Congresso conservadora e punitivista. Não custa lembrar que o bolsonarismo foi vitorioso no Legislativo.

Autoridades deveriam parar de usar o termo terrorismo?
Essa mistura dos vieses político e jurídico do termo é perigosa. Existem outras terminologias que podem ser usadas para manifestar repúdio: golpistas, fascistas, vândalos, antidemocráticos.

Estadão Conteúdo

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