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Impeachment, demissão, prisão: como autoridades podem responder por ataques golpistas

 

Foto: Evaristo Sá/ AFP

Géssica Brandino
São Paulo, SP

Autoridades com mandato, funcionários públicos e integrantes das forças de segurança que participaram dos atos golpistas contra os Três Poderes em Brasília, no domingo (8), ou deixaram de agir para contê-los poderão ser responsabilizados nas esferas criminal, administrativa e cível, a depender da conclusão das investigações.

Ainda no domingo, o ministro do STF (Supremo Tribunal Federal) Alexandre de Moraes afastou por 90 dias o governador do Distrito Federal, Ibaneis Rocha (MDB). Ele afirmou que a medida era necessária para impedir a destruição de provas.

O ministro também acolheu o pedido da Polícia Federal e determinou a prisão preventiva e busca e apreensão de Anderson Torres, então secretário de segurança pública do Distrito Federal, e do então comandante da Polícia Militar, Fábio Augusto Vieira.

Na ordem, o magistrado afirma que houve omissão e conivência de diversas autoridades de segurança e inteligência no episódio. Moraes lista como crimes atos terroristas (pela lei antiterrorismo de 2016), dano, associação criminosa, abolição do Estado democrático de Direito e golpe de Estado.

Criminalistas ouvidos pela reportagem discordam do ministro em relação ao uso da Lei Antiterrorismo, pois as motivações previstas no artigo 2º da norma são “xenofobia, discriminação ou preconceito de raça, cor, etnia e religião”. Os ataques de domingo tiveram motivação política, afirmam.

No caso do ex-presidente Jair Bolsonaro (PL), os especialistas dizem que será necessário aguardar as investigações para saber se houve participação dele nos atos.

Na terça-feira (12), a Polícia Federal encontrou na casa de Torres, que foi ministro da Justiça de Bolsonaro, uma proposta de decreto para ele instaurar estado de defesa na sede do TSE (Tribunal Superior Eleitoral) e reverter o resultado das eleições, o que abre novas vias de investigação sobre os ataques.

Entenda o que diz a legislação sobre a responsabilização de autoridades:

QUAIS DELITOS FORAM COMETIDOS DURANTE OS ATAQUES?

Criminalistas ouvidos pela reportagem afirmam que aqueles que invadiram e depredaram os prédios públicos poderão responder pelos crimes de abolição violenta do Estado democrático de Direito e de golpe de Estado, previstos pela lei do Estado democrático de Direito, sancionada em 2021.

Há ainda outros delitos com penas menores, como incitação ao crime, associação criminosa e dano ao patrimônio.

Provada a participação, autoridades também podem responder por essas condutas e por prevaricação, caracterizada por deixar de agir para satisfazer interesse ou sentimento pessoal.

Segundo a advogada e doutora em direito do estado pela USP Mariana Chiesa, cabe ainda a aplicação da Lei de Improbidade Administrativa contra autoridades que deixaram de agir. As imagens produzidas por manifestantes podem comprovar a intenção dos agentes.

A irregularidade, diz ela, pode ser caracterizada pelo prejuízo causado aos cofres públicos ou por práticas que atentam contra os princípios da administração.

“O que importa é o dano causado ao Estado, não necessariamente se houve ou não enriquecimento individual do servidor. Se houve pagamento direto de servidores para participar, fica mais fácil demonstrar a correlação com o enriquecimento ilícito”, afirma.

QUAIS AS PUNIÇÕES PREVISTAS PARA POLÍTICOS COM MANDATO?

Algumas punições dependem do cargo exercido. No caso do governador afastado Ibaneis Rocha, a suposta omissão no episódio pode gerar a perda do mandato por crime de responsabilidade, conforme a lei 1.079 de 1950.

“Ibaneis agiu ou se omitiu de modo a atentar contra a ordem interna”, diz a professora de direito constitucional da UFPR Vera Karam.

No caso de deputados e senadores, Helena Lobo, professora de direito penal da USP, destaca que o artigo 55 da Constituição prevê a perda do mandato por quebra de decoro. Para isso, é necessário responder a processo na respectiva Casa Legislativa.

Wallace Corbo, professor de direito constitucional da FGV Direito Rio, acrescenta que os congressistas não podem ser presos sem sentença final e manifestação da respectiva Casa. Porém já houve casos de prisão cautelar por uso do mandato para cometer crimes ou comprometer a investigações, diz.

Corbo afirma ainda que cabe a todas as autoridades com mandato a responsabilização na esfera cível pelos danos causados pela depredação do patrimônio público.

A AGU (Advocacia-Geral da União) pediu à Justiça Federal do Distrito Federal que bloqueie R$ 6,5 milhões de 52 pessoas e sete empresas suspeitas de financiarem o fretamento de ônibus para os atos.

O QUE PODE ACONTECER COM FUNCIONÁRIOS PÚBLICOS ENVOLVIDOS NOS ATOS?

Funcionários concursados em empresa pública podem responder a processo administrativo disciplinar, que pode gerar advertência, suspensão ou até a demissão do cargo, explica Helena Lobo (USP).

O advogado Luiz Fernando Pereira, coordenador-geral da Abradep (Academia Brasileira de Direito Eleitoral e Público), adiciona que em caso de demissão de cargo público por justa causa, o funcionário fica inelegível por oito anos.

AGENTES DAS FORÇAS DE SEGURANÇA PODEM SER PUNIDOS?

Professor de estudos brasileiros na Universidade de Oklahoma e membro do Fórum Brasileiro de Segurança Pública, Fábio de Sá e Silva explica que há diversas possibilidades de responsabilização, a depender se o agente estava ou não em serviço e do tipo de participação e conduta.

No caso dos que estavam trabalhando e foram coniventes com as invasões, ele afirma que o Código Penal Militar prevê os crimes de insubordinação, desobediência, ou prevaricação.

Já aqueles que não estavam atuando no dia e participaram dos atos podem responder por organização de grupo para a prática de violência e violação do estatuto dos militares.

Silva diz que tanto oficiais da ativa quanto da reserva podem ser declarados indignos e perder patente e o soldo militar.

O EX-PRESIDENTE JAIR BOLSONARO PODE SER RESPONSABILIZADO PELOS ATAQUES?

A avaliação é de que uma eventual responsabilização do ex-presidente dependerá do aparecimento de provas que indiquem o envolvimento com a invasão golpista.

Tatiana Stoco, professora de direito penal do Insper, afirma que se for provado que ele induziu as pessoas a ir aos atos, ajudou no planejamento ou financiou as ações, o investigador pode apontar que houve participação nos crimes praticados no local.

“Existe uma sensação pública de ele teria incitado os atos, mas ainda não vejo uma incitação a rigor, que deve ser pública e com uma ordem mais clara de invasão”, diz.

Wallace Corbo (FGV) afirma que Bolsonaro pode ser responsabilizado na esfera cível pelos danos causados, pelo fato de não ter se manifestado contra os episódios. Já criminalmente, será preciso provar que ele estimulou as condutas e o tempo em que as falas foram feitas deve ser considerado.

“Não dá para dizer que uma frase do presidente de dois anos atrás é incitação a esse crime”, diz.

Nesta sexta-feira (13), o ministro Alexandre de Moraes tornou Bolsonaro investigado no inquérito que apura a instigação e autoria dos ataques de domingo. A inclusão de Bolsonaro na investigação partiu de pedido de procuradores após a publicação em rede social, na terça-feira (10), de vídeo questionando a regularidade das eleições.

O QUE DIZ A LEI SOBRE EXTRADIÇÃO E DEPORTAÇÃO DE AUTORIDADES?

Bolsonaro está nos Estados Unidos, o que gerou o debate sobre a possibilidade de extradição ou deportação dele. O ex-ministro Anderson Torres também está no país.

O professor de direito internacional da FGV Direito Rio, Evandro Menezes de Carvalho, avalia que a extradição só seria possível em caso de condenação penal definitiva ou de investigação criminal em curso. Quando isso ocorre, cabe ao governo brasileiro solicitar a extradição.

No caso de Torres, que teve a prisão determinada por Moraes e confirmada pelo STF, ele avalia que isso pode ser feito, mas cabe ao outro país acolher o pedido. Ele cita o caso do blogueiro bolsonarista Allan dos Santos. A extradição dele foi solicitada pelo governo brasileiro, mas ainda não atendida.

Já a deportação é uma medida administrativa que pode ser tomada pelo outro país caso a situação migratória da pessoa seja irregular, por exemplo, em caso de falta de visto. Tanto Bolsonaro quanto Torres estão regularmente nos EUA.

A LEI ANTITERRORISMO PODE SER USADA CONTRA AUTORIDADES?

Embora as condutas vistas na capital federal se enquadrem nos atos de terrorismo previstos pela lei 13.260, que assim classifica a sabotagem de instalações públicas, o obstáculo para punição, segundo criminalistas, está na redação do artigo 2º.

“O terrorismo consiste na prática por um ou mais indivíduos dos atos previstos neste artigo, por razões de xenofobia, discriminação ou preconceito de raça, cor, etnia e religião, quando cometidos com a finalidade de provocar terror social ou generalizado, expondo a perigo pessoa, patrimônio, a paz pública ou a incolumidade pública”, diz o texto.

Helena Lobo (USP) afirma que pelo fato de a motivação dos atos ser política, é possível responsabilizar os extremistas por crimes contra o Estado democrático de Direito e outros delitos previstos no Código Penal, mas não por terrorismo.

Para Tatiana Scobo (Insper), o ministro Alexandre de Moraes e outros juristas que consideram possível a aplicação da lei fazem uma interpretação equivocada.

Por FolhaPress

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