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Emendas têm fila de espera e viram arma da cúpula do Congresso para reeleição em 2023


 Base de negociações políticas no Congresso, as emendas de relator do Orçamento estão emperradas no começo deste ano. Mais de 430 deputados e senadores já apresentaram proposta para destinar recursos para suas bases eleitorais, mas os R$ 16,5 bilhões reservados para as emendas estão praticamente parados.

Líderes do Congresso afirmam que o atraso na liberação da verba parlamentar está ligado à estratégia de fortalecer o presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), e do Senado, Rodrigo Pacheco (PSD-MG), na corrida pela reeleição ao comando das Casas, no início de 2023.

Segundo esses parlamentares, o represamento inusual dessas verbas —em anos eleitorais geralmente ocorre o contrário, ou seja, as emendas são liberadas mais cedo devido às restrições da legislação— tem o objetivo de contemplar com emendas o novo Congresso eleito em outubro, que é quem vai decidir a nova cúpula das duas Casas. As eleições ocorrem geralmente em 1º de fevereiro.

Se o deputado ou senador não se reeleger, dificilmente será contemplado com os recursos após outubro. Quem renovar o mandato terá o passe mais elevado. Os novos parlamentares, embora não possam oficialmente receber verbas até assumir o mandato, podem também ser atraídos por promessas de herdar o apadrinhamento de emendas daqueles não reeleitos.

A emenda de relator é um tipo de emenda que foi incluída no Orçamento de 2020 pelo Congresso, que passou a ter controle de quase o dobro da verba de anos anteriores. Atualmente, ela é a principal moeda de troca em votações importantes no Congresso.

O Palácio do Planalto e aliados, principalmente Lira, têm usado esses recursos para privilegiar aliados políticos e, com isso, ampliar a base de apoio deles no Legislativo.

Parlamentares argumentam que emendas são recursos que geram investimentos realizados "na ponta" —obras com impacto direto na vida da população nos municípios. Esse dinheiro, porém, representa um dos principais ativos eleitorais do deputado ou senador que patrocina a transferência de verba para o projeto.

Apesar do aperto no Orçamento dos ministérios deste ano, o Congresso aprovou a autorização para R$ 16,5 bilhões em emendas de relator. O acordo costurado nos bastidores divide o montante em R$ 11 bilhões para a Câmara e R$ 5,5 bilhões para o Senado.

A distribuição desse dinheiro privilegia deputados e senadores influentes com base em critérios políticos —principalmente a cargo dos presidentes de cada Casa. Mas, até o fim de maio, só R$ 30,2 milhões foram liberados.

Acostumados a receber uma série de ofícios com ordens para gastar a verba de emendas, integrantes de órgãos como FNDE (Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação) e o Ministério do Desenvolvimento Regional dizem ter ficado surpresos com a guinada no tratamento dado à verba.

A partir de 2 de julho, entra em cena uma trava, prevista na legislação eleitoral, para o uso desses recursos. O Ministério da Economia confirmou que "a proibição de liberação de recursos durante o período de defeso eleitoral se aplica a todas as emendas parlamentares", inclusive para as de relator.

Membros do Congresso dizem que, mesmo se a cúpula das duas Casas decidir acelerar o uso da verba, pelo menos R$ 10 bilhões sobrariam para serem distribuídos a partir de outubro —o que eleva o poder de Lira e Pacheco na largada da campanha eleitoral pelo comando da Câmara e do Senado. Ambos podem concorrer à reeleição.

Lira, que controla a distribuição das emendas da Câmara e, devido à sua proximidade com o Palácio do Planalto, também exerce grande influência sobre a efetiva liberação do dinheiro, não quis se manifestar.
Pacheco, que tem adotado uma posição de distanciamento em relação ao governo, disse não ter informação sobre anormalidade no fluxo das emendas. "Não cuidarei diretamente disso, salvo se houver alguma necessidade para contribuir com os trabalhos da CMO. [Comissão Mista de Orçamento]."

Outro motivo para o atraso nas emendas, segundo líderes do Congresso, foi a janela partidária (período que os deputados tiveram para mudar de partido). Enquanto as forças partidárias se reacomodavam, as negociações ficaram suspensas.

Mas as trocas se encerraram em 1º de abril. Desde que essas emendas foram criadas, não houve um período de liberação de verba tão baixa.

Dos 438 parlamentares que já apresentaram pedido para usar parte da verba de emenda de relator, a grande maioria é de partido governista ou de posição independente em relação ao Palácio do Planalto. As solicitações já somam R$ 13,8 bilhões —pressionando a reserva feita para esses gastos.

Quase todos deputados e senadores do PL, PP e Republicanos —trinca da base mais fiel ao presidente Jair Bolsonaro (PL)— pediram recursos das emendas. Há registros feitos também por membros de siglas de oposição, como PSB, PDT e, em raros casos, pelo PT. Parte da esquerda (PSB e PDT) faz parte do grupo de apoio a Lira na presidência da Câmara.

Líder nas pesquisas de intenção de voto, o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) tem feito discursos com ataques a Lira, que é aliado de Bolsonaro. "Se a gente ganhar as eleições e o atual presidente da Câmara continuar com o poder imperial, ele já está querendo criar o semipresidencialismo. Ele já quer tirar o poder do presidente para que o poder fique na Câmara dos Deputados e ele aja como se fosse o imperador do Japão", afirmou Lula, ao discursar sobre a importância das eleições ao Congresso Nacional no início de maio.

O petista também já falou que esse "é talvez o pior Congresso que já tivemos na história do Brasil". Pacheco reagiu, classificando as críticas feitas como "discurso oportunista".

A eleição do comando do Congresso deve ser o primeiro teste de poder político de quem for eleito presidente da República. O poder nas mãos da atual cúpula das duas Casas, por meio das emendas, embaralha ainda mais a disputa.

Líderes petistas reconhecem a dificuldade de contornar esse quadro, principalmente na Câmara, onde Lira construiu uma base sólida desde que, com o apoio de Bolsonaro, o governo abriu mais espaço para as emendas de relator no Orçamento.

Mas a demora na liberação da verba das emendas desagradou inclusive deputados do PL, partido de Bolsonaro.

Diante da pressão, a tendência é que o Congresso comece a destravar uma parte das emendas ainda em junho. No entanto, esse lote deve concentrar recursos para custeio de serviços de saúde e de assistência social —as principais demandas que geram ganho de capital político, como obras e compras de máquinas e equipamentos, ficam para depois.

Líderes afirmam que houve uma promessa de liberação de cerca de R$ 1 bilhão antes da eleição para emendas ligadas a infraestrutura e investimentos. Mas isso também deve ficar para depois de outubro.
Hoje existem quatro tipos de emendas: as individuais (que todo deputado e senador têm direito), as de bancada (parlamentares de cada estado definem prioridades para a região), as de comissão (definida por integrantes dos colegiados do Congresso) e as do relator (que permitem que congressistas mais influentes possam abastecer seus redutos eleitorais, sem critério de distribuição).

As emendas de relator acabam sendo alocadas politicamente —em ato do relator do Orçamento, mas articuladas principalmente por aliados de Bolsonaro, Lira e Pacheco. No caso do Orçamento de 2022, o relator é o deputado Hugo Leal (PSD-RJ). Cabe a ele operacionalizar o plano de distribuição dessas emendas. Procurado, Leal não quis se manifestar.

A ideia do Congresso é que todos os partidos sejam contemplados pelas emendas neste ano —por decisão do STF (Supremo Tribunal Federal) a divisão desses recursos terá que ser publicada pela Câmara e pelo Senado.

Mas a fatia de cada partido deverá ser diferente. Aliados do Planalto e da cúpula do Congresso receberão mais, especialmente os que se reelegerem em outubro.


Najara Araujo/Câmara dos Deputados    Folhapress

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