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Ala do governo defende decreto de calamidade a 4 meses da eleição


 A pressão por uma solução contra a alta no preço dos combustíveis levou uma ala do governo Jair Bolsonaro (PL) a defender um novo decreto de calamidade pública a apenas quatro meses da eleição.

Sob a vigência da calamidade, o entendimento é que o governo teria mais segurança para abrir créditos extraordinários —que permitem uso de recursos fora do teto de gastos (regra que impede o crescimento das despesas acima da inflação). O objetivo é custear medidas para subsidiar os preços ou pagar auxílios a caminhoneiros, entregadores e motoristas de aplicativo.

Entre as justificativas usadas por quem defende o uso do instrumento, estão a Guerra da Ucrânia e um suposto risco de desabastecimento de diesel. Os defensores da calamidade afirmam que o mecanismo, previsto na Constituição e também na LRF (Lei de Responsabilidade Fiscal), afasta os requisitos formais de urgência e imprevisibilidade para abertura de crédito extraordinário.

A calamidade também pode eventualmente ser usada para driblar restrições eleitorais, que hoje são uma grande preocupação do governo na adoção de medidas.

A lei eleitoral proíbe, no ano da disputa, a "distribuição gratuita de bens, valores ou benefícios por parte da administração pública", exceto em situações extremas (como calamidade ou emergência) ou em casos de programas sociais autorizados em lei e que já eram executados no ano anterior.

A última vez que um decreto de calamidade pública nacional foi aprovado pelo Congresso foi em março de 2020, durante a crise de Covid-19. A situação excepcional durou até o fim daquele ano e não foi restabelecida nem mesmo no ano seguinte, quando a pandemia se agravou e atingiu seu ápice no país.

O movimento por uma nova calamidade ocorre após nova edição do Datafolha mostrar ampliação da vantagem do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) em relação a Bolsonaro na pesquisa de intenção de voto. O petista aparece com 48% no primeiro turno, ante 27% do presidente.

Desde a semana passada, a possibilidade de um novo decreto vem sendo abordada em reuniões com a presença de autoridades, segundo interlocutores do governo ouvidos pela Folha. Entre os participantes estão os ministros Ciro Nogueira (Casa Civil) e Paulo Guedes (Economia).

Uma medida que promova no curto prazo uma redução dos preços dos combustíveis é defendida por ministros como o próprio Nogueira e Fábio Faria (Comunicações).

Mas a visão não é consenso no governo. A opção pela calamidade enfrenta resistência de diversos técnicos (sobretudo do Ministério da Economia), que não veem no conflito na Europa uma justificativa plausível para uma medida tão drástica.

Já no Congresso, aliados governistas são taxativos ao dizer que o governo precisa tomar alguma atitude para não deixar a conta do aumento dos combustíveis e também de tarifas de energia recair no bolso dos mais pobres.

Parlamentares a favor do decreto argumentam que um risco de desabastecimento de diesel no país devido à alta de preços justificaria a calamidade.

A visão é que somente contar com a Petrobras para eventualmente segurar os preços poderia agravar o risco de desabastecimento de diesel (já que preços mais baixos da petroleira desencorajam a importação por parte de concorrentes). Por isso, segundo essa interpretação, a decretação da calamidade com a consequente adoção de algum tipo de subsídio seria mais indicado.

Outro grupo defende novas mudanças no teto de gastos. Todas as discussões, porém, são preliminares, segundo uma liderança do Congresso.

Políticos próximos ao presidente afirmam que Guedes está sob pressão. Segundo esses interlocutores, se não houver uma solução para os combustíveis, pode haver nova ofensiva para retirá-lo do cargo porque a letargia na Economia poderia comprometer o projeto de

 reeleição de Bolsonaro.


Na segunda-feira (30), o presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), subiu o tom e disse que iria "apertar o governo" por uma solução. "Vamos apertar esta semana o governo para que ele decida por fazer ou não subsídio no combustível", disse em entrevista ao Jornal da Record. "Os governos dos países mais avançados estão dando subsídios para a alta dos combustíveis, que é um problema mundial e interfere na vida de qualquer brasileiro", afirmou.

O próprio presidente da Câmara admitiu os rumores sobre o acionamento da calamidade. "Recurso o Brasil tem demais, a Petrobras tem e o Brasil tem. O problema é quanto isso cabe no teto de gastos ou não. Daí esses rumores do botão da calamidade que o Guedes tem para apertar", afirmou.

Membros da área econômica reconhecem que a declaração expõe uma preocupação política com os aumentos e coloca pressão sobre o governo. Segundo relatos ouvidos pela Folha, a ala política diz ter recebido sinalizações favoráveis nas conversas com Guedes e entende que o corpo técnico da pasta é o único obstáculo.

Dentro da Economia, porém, a visão é de que Guedes busca desidratar a ideia mostrando que acionar o botão da calamidade traz como consequência uma trava em outros gastos, como salários do funcionalismo —reajustes são vetados nessa situação.

Nos últimos dias, o governo passou a discutir a possibilidade de desistir de um aumento linear de 5% aos servidores devido à falta de espaço dentro do teto. Os técnicos também temem que um decreto de calamidade abra a porteira para a gastança em ano eleitoral.

Há uma preocupação na campanha do presidente de que o aumento dos combustíveis seja o principal obstáculo à reeleição. Em entrevista à Folha, o ministro das Comunicações, Fábio Faria, disse ser justamente isso o que está segurando o crescimento de Bolsonaro nas pesquisas.

Ele defendeu ainda usar R$ 15 bilhões do lucro da Petrobras para criar algum tipo de subsídio. "O que está segurando ainda é o preço dos combustíveis. Mas, mesmo assim, ele [Bolsonaro] está crescendo", disse.

Parlamentares aventam a possibilidade de a própria Petrobras criar uma espécie de subsídio como uma política da empresa, com destinação do excedente de dividendos que superam o mínimo a ser distribuído aos acionistas (o que não mexeria no Orçamento da União). Mas essa via é considerada demorada, pois nem sequer foi concretizada a troca no comando da companhia.

O presidente do Banco Central, Roberto Campos Neto, afirmou nesta quarta-feira (1º) que a implementação de subsídios para mitigar os impactos sociais da alta nos preços das commodities (como petróleo) é uma "boa solução", mas ponderou que medidas nesse sentido carregam o risco de se tornarem gastos públicos permanentes.

A própria equipe econômica tem estudos internos para a implementação de um vale caminhoneiro, medida que tem um custo estimado em R$ 1,5 bilhão. Mas ainda não há detalhes de onde sairiam os recursos.

A ala política do governo sempre pressionou pela concessão de subsídios, mas esbarrou nas resistências de Guedes a uma iniciativa imediata. Um dos argumentos agora, no entanto, é que a alta de preços persiste mesmo após o prazo de 60 dias citado pelo ministro da Economia em março para segurar novas medidas. "Vamos nos movendo de acordo com a situação", afirmou Guedes em 10 de março. "Se isso [guerra] se resolve em 30 ou 60 dias, a crise estaria mais ou menos endereçada. Agora, vai que isso se precipita e vira uma escalada? Aí sim você começa a pensar em subsídio para o diesel", acrescentou na ocasião.


  Folhapress

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