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Luto na pandemia de Covid-19 deixa marcas na delegação brasileira em Tóquio


 Após 4,1 milhões de mortes em decorrência da Covid-19 no mundo, das quais mais de 540 mil no Brasil, a Olimpíada de Tóquio-2020 terá como uma de suas marcas histórias de luto e superação. Esse sentimento pode ser mais forte para aqueles que conviveram com perdas próximas causadas pela doença, mas não se restringe a eles. Desde o ano passado, a sociedade está coletivamente enlutada pela pandemia.

No meio esportivo, uma das vítimas do coronavírus foi o jogador olímpico de vôlei Jean Luc Rosat, conhecido como Suíço, que defendeu a seleção brasileira em Montreal-1976 e Moscou-1980. Ele morreu no dia 2 de abril, aos 67 anos.

Amigo do treinador Bernardinho desde a época de atletas, Suíço foi padrinho de batismo do filho dele, o levantador Bruninho, atual capitão da equipe brasileira e porta-bandeira na cerimônia de abertura em Tóquio.

"Ele seguia muito o vôlei, mandava mensagem, a gente falava bastante sobre os jogos. Quando ele recebeu o diagnóstico, falei muito com a minha madrinha, e as coisas foram piorando bem na época das finais da Superliga, quando eu estava na 'bolha' em Saquarema. Ele ter morrido foi um baque grande para nós. Era um cara alegre, querido", relembra Bruninho à reportagem.

A apreensão tomou conta do esporte devido à sequência de acontecimentos. No mesmo mês, o técnico da seleção masculina, Renan Dal Zotto, e o vice-presidente da CBV (Confederação Brasileira de Voleibol), Radamés Lattari, tiveram que ser intubados por causa da Covid-19.

O quadro do treinador foi gravíssimo, e ele ficou mais de um mês internado. Recuperado, conseguiu retomar suas atividades no comando da seleção e protagonizará uma das histórias mais emblemáticas dos Jogos de Tóquio.

"Tudo foi acumulando, assim como para muitas famílias que passaram por isso. Quando o Renan foi internado, tínhamos que valorizar nosso trabalho por ele. Sabíamos o quanto ele gostaria que a gente estivesse fazendo isso", diz o levantador de 35 anos, dono de três medalhas olímpicas.

Após passar pelo luto e pela apreensão, Bruninho pôde respirar aliviado e comemorar junto com a seleção o título da Liga das Nações, em junho. Nas próximas semanas, ele terá pela frente uma edição dos Jogos que encontra dificuldade para fazer com que mensagens de esperança se sobreponham às preocupações da pandemia.

"Representar nosso país é sempre uma honra e um orgulho muito grandes, agora talvez tenha uma vontade de fazer ainda mais por saber o quanto nosso país sofreu. O que a gente pode fazer não é nada perto da vida das pessoas, mas nós esperamos poder dar alguma alegria ao país. 
Sentimos isso na Liga das Nações, e na Olimpíada vai ser ainda maior", afirma.

O velocista Felipe Bardi, 22, alcançou desde a retomada das competições de atletismo, no segundo semestre de 2020, os melhores momentos de sua carreira. Mas na vida pessoal os últimos meses tiveram a marca da tristeza pelas mortes de um tio, em abril, uma avó e uma tia, em junho, todos vítimas da Covid-19.

"Eu era muito apegado ao meu tio [Luiz Fernando Bardi], ele jogou futebol e me ensinou muito sobre o alto rendimento. Já estava sem vê-lo por conta do distanciamento e fiquei sabendo que ele tinha ficado mal e ido para o hospital", conta. "Justo no dia em que ele morreu, eu queria dar um presente e corri minha melhor marca, 10s10, na Califórnia. Mas por dentro eu estava destruído, não era eu. Fui no instinto."

A avó e a tia maternas morreram na mesma semana, antes do início do Troféu Brasil. "Cheguei bem mais ou menos, porque estava abalado ainda. Perdi três familiares em cerca de dois meses", constata.

Bardi teve o acompanhamento profissional de sua psicóloga no Sesi-SP, Marina Gusson, e relata que se permitiu viver a tristeza. 

"O luto é aquela coisa que a gente tem que sofrer no momento, mas não poderia deixar tomar conta."

Outro acontecimento triste e marcante deste ciclo olímpico foi a morte de Jesús Morlán, treinador e mentor do canoísta brasileiro Isaquias Queiroz nas suas três medalhas na Olimpíada do Rio. O espanhol foi vítima de um câncer em 2018.

Isaquias sempre diz que buscará não apenas sua quarta e quinta medalhas em Tóquio, mas a décima de Morlán, que também levou o espanhol David Cal a cinco conquistas ao longo da carreira.

"O COB [Comitê Olímpico do Brasil] ficou bem preocupado com a questão do luto, como a gente iria se comportar, se iria pegar muito no nosso psicológico. Mas o Jesús forjou a gente na dor, e acabamos aprendendo a conviver com o sofrimento da perda mesmo de uma pessoa muito querida como ele", diz o atleta.

Neste ano, a canoagem ainda sofreu com a morte do presidente de sua confederação, João Tomasini, que estava no cargo havia mais de três décadas, vítima da Covid-19. Isaquias teve um histórico de desentendimentos com o dirigente, mas, de acordo com o atleta, nos últimos anos as rusgas foram superadas e eles nutriam boa relação.

"Nesta Olimpíada vamos poder honrar todo esse trabalho do Jesús e do Tomasini", diz.

A psicóloga Aline Wolff, líder da área de preparação mental do COB, afirma que a tragédia da pandemia, somada ao adiamento em um ano dos Jogos e às dificuldades enfrentadas na preparação, formaram um cenário inédito e preocupante no esporte. Principalmente no primeiro semestre de 2020, com todas as dúvidas sobre o que estava acontecendo.

"Luto envolve sentir tristeza, raiva, negar cenários, se debater com aquilo. É um turbilhão de emoções que visita a pessoa naquele momento. Tivemos a preocupação de oferecer apoio para que isso fosse processado com olhar atento, profissionais dando suporte, recursos de adaptação. OK, eu sinto, entristeço, choro, mas e agora, o que eu faço?", ela explica.

Cada atleta vive a pandemia e todos os desafios que essa situação acarreta à sua maneira. Wolff destaca que o trabalho de sua área no COB continuará no Japão, com dez psicólogos no total, quatro integrantes da delegação no país asiático e outros seis disponíveis para consultas a distância.

"É um ponto de preocupação. Teremos uma equipe de preparação mental à disposição, porque um atleta que está lá pode perder um familiar, por exemplo. Não queremos que aconteça, mas sabemos que pode acontecer. É sempre muita dor, mas que eles tenham a certeza de que não estarão sozinhos e sempre haverá uma equipe para ajudar."


 Por: Marcelo Camargo/Agência Brasil 

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