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Acampados na frente da Ford, em Camaçari, funcionários relatam incertezas um mês após anúncio do fechamento da fábrica




 O barulho diário do constante vai e vem das catracas abriu espaço para o silêncio. O ambiente marcado pela movimentação intensa de pessoas e veículos atualmente já não é mais visto e o que mais tem chamado a atenção ultimamente são faixas espalhadas por todos os lados com a palavra ‘fome’. O cenário descrito é do entorno da montadora da Ford, em Camaçari, na região metropolitana de Salvador. / Por: Dinaldo Silva/BNews  Por: Diego Vieira

Desde o dia 11 de janeiro, data em que a empresa anunciou o encerramento da produção de automóveis no Brasil, a fábrica deixou de funcionar. O fim das operações vai ocasionar a perda de de mais de cinco mil empregos direto. Além destes, o Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômico (Dieese) estima uma perda potencial de mais de 118.864 mil postos de trabalho. A perda de massa salarial é da ordem de R$ 2,5 bilhões ao ano.

Responsáveis pela colocação das faixas, trabalhadores e representantes do Sindicato dos Metalúrgicos de Camaçari passaram a acampar na frente da fábrica desde a última sexta-feira (5). O objetivo, segundo eles, é conscientizar os demais colegas que porventura possam ser convocados a retornar provisoriamente ao posto de trabalho e, além disso, protestar por uma indenização “justa”. 

“Estamos aqui na frente da fábrica lutando para que a Ford possa pagar uma indenização digna para que a gente possa ter um tempo hábil para poder cuidar da nossa família. Aqui nós também somos uma família e estamos aqui na luta dia e noite e se for preciso passaremos anos aqui até sairmos vitoriosos”, afirma o operador logístico Anderson Marques, de 38 anos, destes, 17 dedicados à Ford. 

Casado e pai de dois filhos, ele diz que ficou sabendo que a fábrica encerraria as atividades através da imprensa já que no dia todos os funcionários estavam de folga devido ao adiamento do feriado dedicado ao padroeiro da cidade.

“Logo no primeiro momento fiquei sem acreditar, porque estávamos na expectativa de um produto novo que a empresa já vinha falando desse produto, ou seja, acreditávamos na longevidade da empresa e infelizmente acabou dessa forma que ninguém esperava”, relembra o operário que acredita que a transferência do feriado, do dia 7 para o dia 11, foi uma estratégia da Ford para evitar possíveis retaliações.

A poucos metros dali, em outra portaria, Edmar Gomes que atuava como operador de reparação desde 2000 na montadora, também desabafou sobre a insatisfação com o fechamento da Ford, lugar em que ele imaginava ver o filho trabalhando futuramente. 

“Da noite pro dia perdemos os nossos empregos. A gente não sabia de nada. Meu filho que sonhava em trabalhar aqui chegou pra mim e perguntou: ‘meu pai, e agora?’. Ou seja, foram sonhos que foram retirados. Eu sonhava em um dia ver o meu filho trabalhando aqui. Eu vi essa planta praticamente nascer e hoje eu não sirvo mais pra nada? Que relação social a Ford teve conosco, com Camaçari, com o Brasil?”, questiona.

O operador de produção e também dirigente do Sindicato dos Metalúrgicos, José Antônio, reforça o discurso de Edmar e afirma também ter sido pego de surpresa. Ainda sem perspectivas sobre o futuro profissional ele também pretende continuar na porta da montadora até que uma decisão seja tomada em relação ao pagamento de um valor indenizatório.

“A empresa precisa pagar uma indenização justa para todos nós trabalhadores e é por isso que estamos aqui para conscientizar os demais colegas. São 12 mil trabalhadores desempregados, entre Ford, parceiras e autopeças, fora os indiretos que chega a quase 50 mil. É um desastre muito grande a saída da montadora aqui para a cidade. A única coisa que a gente quer é uma indenização justa para cada um conseguir se manter”, desabafa. 

Na sexta-feira, a Justiça do Trabalho proibiu a Ford de demitir funcionários das fábricas de Camaçari e Taubaté (SP) antes de concluir as negociações das indenizações trabalhistas com os sindicatos. A montadora também está proibida de suspender o pagamento de salários ou as licenças remuneradas.

Na fábrica baiana, que produzia os modelos Ka e EcoSport, a multa em caso de descumprimento da liminar é de R$ 1 milhão, acrescida de R$ 50 mil por trabalhador atingido. No entanto, nesta quarta (11), a Ford apresentou recurso contra as liminares e disse estar engajada "ativamente" no processo de negociação com os sindicatos relacionados à decisão, realizando reuniões regulares no último mês.

Enquanto uma decisão definitiva não é tomada, o operador Inaldo Queiroz, 48, já pensa em formas de tentar se inserir novamente no mercado de trabalho. Natural de Salvador, ele se mudou para Camaçari juntamente com a família em 2010 e agora terá que repensar se valerá a pena continuar morando por lá.

“Foi um impacto muito grande porque era algo que a gente não esperava. Um dos benefícios que a empresa oferece que é o plano de saúde, perspectiva de pagar uma faculdade para a minha filha, manter a outra numa escola particular, tudo isso foi por água abaixo. Agora o que nos resta é pensar como vamos fazer para se inserir novamente no mercado de trabalho”, diz.

A saída da montadora do país refletiu também na vida do operador de logística Raimundo Gomes, 39. Pai de uma menina de 11 anos, ele define como um “baque” a perda do emprego. Há 17 anos trabalhando na Ford ele afirma que só sairá da frente da empresa quando ele e os colegas tiverem uma resposta satisfatória.

“Eu tirava o pão de cada dia daqui e hoje me vejo uma pessoa jogada fora como se fosse um descarte qualquer. Se pelo menos tivessem avisado com antecedência, a gente teria se preparado, mas foi algo de uma hora pra outra. A Ford não tirou apenas a sua produção de Camaçari, ela retirou também a nossa dignidade. Pedimos uma atenção ao governo federal, porque o fechamento da Ford não interfere apenas na nossa vida, interfere na vida do Brasil. A economia local e das cidades vizinhas vai sofrer um impacto muito grande”, lamenta. 

O impacto mencionado por ele já começou a ser sentido entre os comerciantes de Camaçari. Não é preciso andar muito pelo centro da cidade para se deparar com lojistas insatisfeitos com os lucros, que já tinham sido afetados pela pandemia do novo coronavírus. 

É o caso de Drica Mendes. Proprietária de uma loja de roupas feminina, ela teme que a situação piore ainda mais depois que os funcionários da Ford forem efetivamente desligados.

“Estamos ainda digerindo tudo isso, mas já estamos sentido esse impacto no comércio. Já não estava muito bom por conta da pandemia e depois do anúncio do fechamento da Ford veio a piorar ainda mais. Acredito que daqui a dois ou três meses a gente vai sentir muito mais do que estamos sentindo hoje”, opina.

De acordo com o Sindicato do Comércio Patronal de Camaçari e região (Sincomércio), nos últimos 30 dias houve uma média de 40% de baixa nas vendas nas lojas de Camaçari, Dias D’Ávila, Lauro de Freitas e Simões Filho. Segundo a presidente do Sincomércio, Juranildes Araújo, alguns estabelecimentos podem  fechar as portas nos próximos meses como reflexo do fechamento da Ford.

A reportagem tenta há dias uma entrevista com o prefeito de Camaçari, Antônio Elinaldo (DEM), para falar sobre os impactos sentidos no município desde o comunicado do encerramento das atividades da montadora, no entanto, a assessoria de comunicação da prefeitura não respondeu as solicitações. 

Em nota emitida no dia 12 de janeiro, o Ministério da Economia lamentou a decisão global e estratégica da Ford de encerrar a produção no Brasil. Disse ainda que “a decisão da montadora destoa da forte recuperação observada na maioria dos setores da indústria no país; que muitos registram resultados superiores ao período pré-crise”.

O governador da Bahia, Ru Costa (PT), por sua vez, se reuniu em Brasília no dia 19 de janeiro com os embaixadores da Índia, Coreia do Sul e do Japão, com o objetivo de atrair investimentos para o estado após a saída da montadora. Dias depois, o chefe do executivo baiano informou que uma indústria indiana da área química pode se instalar em Camaçari para suprir a saída da Ford.

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