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Na mira do STF, Tribunais do Júri levam quase 5 anos para julgar metade dos casos de homicídios


 Metade dos processos de competência do Tribunal do Júri, que julga crimes dolosos contra a vida, leva quase cinco anos para ser encerrada. Em 26% dos casos, a demora ultrapassa oito anos.

Os números são de relatório do CNJ (Conselho Nacional de Justiça), que analisou ações que tramitaram de 2015 a 2018 nas Justiças estaduais.

Em média, um processo criminal leva 3 anos e 10 meses para chegar à primeira sentença na Justiça estadual. Nos casos do Tribunal do Júri, o tempo médio é de 4 anos e 7 meses até a sentença em primeira instância.

O STF (Supremo Tribunal Federal) ainda deve concluir o julgamento que analisa se um réu condenado no Tribunal do Júri pode começar a cumprir pena após a sentença na primeira instância ou se é necessário aguardar o trânsito em julgado —quando esgotam-se os recursos e o processo se encerra.

A ideia, defendida pelos ministros Dias Toffoli e Luís Roberto Barroso, é controversa no mundo jurídico. O julgamento, que começou em abril, foi suspenso após pedido de vista de Ricardo Lewandowski. Até o momento Toffoli e Barroso votaram a favor da medida, e Gilmar Mendes divergiu.

Em novembro de 2019, o Supremo barrou a prisão de condenados em segunda instância e determinou que se aguarde o fim dos recursos para que a pena comece a ser cumprida. No caso do condenado por Tribunal de Júri, porém, a prisão aconteceria após a sentença da primeira instância.

No pacote anticrime aprovado pelo Congresso, está prevista a execução imediata de penas iguais ou superiores a 15 anos.

O Tribunal do Júri julga os crimes dolosos contra a vida: homicídio, feminicídio, infanticídio, aborto e auxílio, indução e instigação ao suicídio. Nessas situações, o veredicto é dado por um conjunto de jurados escolhidos entre a população, e o julgamento é presidido por um juiz de direito.

Toffoli e Barroso afirmam que, como se trata de crimes graves e violentos, é necessário dar uma resposta à sociedade e prender os condenados já após a primeira instância.

Para eles, a medida não entra em contradição com a lei, visto que a decisão do júri é soberana —ao analisar um recurso à decisão dos jurados, o tribunal não julga mais se o réu é culpado ou inocente, mas pode vir a anular o processo por irregularidades.

O argumento é similar ao usado para defender a prisão de condenados após segunda instância nos demais casos. STF e STJ (Superior Tribunal de Justiça) não revisam provas, mas avaliam se a sentença que está sendo contestada ou o rito processual em questão infringiu as normas legais.

A demora para dar início à execução da pena, dizem os ministros, leva à impunidade.

Segundo o relatório do CNJ, que analisou casos de 2015 a 2018, 14% dos processos do júri no país prescreveram antes de chegar a um desfecho.

Os casos do júri têm um rito diferente dos demais, dividido em duas fases, o que explica boa parte da demora na tramitação. A primeira é semelhante aos outros crimes, e tem início com o recebimento da denúncia. Serão ouvidas testemunhas, e as partes entregam suas argumentações.

Ao fim, o juiz decide se o crime em questão de fato é doloso contra a vida e se há indícios de materialidade e autoria. É o chamado julgamento de pronúncia, em que o magistrado determina se aquele caso se enquadra nas determinações legais para ir a júri popular.

A segunda é o julgamento em si, em que os jurados decidirão se o réu é inocente ou culpado. É possível recorrer da sentença de pronúncia, e o caso fica suspenso até que haja uma definição.

Esse é um dos motivos, diz o professor e especialista em direito penal Davi Tangerino, da FGV-SP, pelo qual os casos costumam demorar a ter um desfecho. “Toffoli já falou em rever a pronúncia, e tem certa razão. Uma possibilidade [para acelerar a tramitação] seria acabar com o efeito suspensivo."

Para o professor, a soberania do júri não implica a viabilidade da execução da pena logo após a segunda instância.

“Particularmente entendo que a soberania do júri diz se o réu é inocente ou culpado. Isso não é contraditório com o duplo grau [de jurisdição]. A segunda instância pode chegar à conclusão de que o veredicto se deu em um processo nulo. Se a questão é prescrição ou demora, existem outros arranjos que não infringem direitos."

Estudo feito pelo Instituto Sou da Paz e pela Universidade Mackenzie mapeou casos do Tribunal do Júri em São Paulo. O estado é o mais lento do país: processos encerrados levam, em média, 10 anos e 9 meses segundo o CNJ. Para efeito de comparação, o Paraná, o mais célere, leva 2 anos e 2 meses.

A conclusão da pesquisa, diz Bruno Langeani, do Sou da Paz, é que várias falhas de gestão das instituições jurídicas acabam por atrasar o julgamento.

Há casos como salas de audiência que não foram marcadas, ofícios para transporte do réu ao fórum que não foram enviados a tempo, falta de juízes, dificuldade de intimar testemunhas e perda de prazos.

“Há questões de gestão que não estão sendo olhadas, e casos estão demorando tempo superior ao esperado. [Com a demora] Você tem riscos de prescrição, risco de fuga do suspeito. É comum que testemunhas mudem de local ou esqueçam do caso. Se você vai testemunhar sobre um caso três ou quatro anos depois, a qualidade da informação é perdida”, afirma.

Outro ponto, segundo Langeani, é que um percentual muito pequeno de casos de fato vai a julgamento, visto que o índice de resolução de homicídios no país é baixíssimo. Em média, 62% dos casos de homicídio não passam da delegacia —ou seja, nem sequer viram uma ação penal.

Para ele, a sociedade brasileira tem por hábito discutir impunidade de uma maneira sempre relacionada ao tamanho da pena e o início da sua execução, mas deixa de lado os fatores que mais contribuem para a impunidade: problemas de investigação e a qualidade do trabalho da polícia.

“O que precisa ficar claro é que se a gente vai perdendo casos nesses gargalos, se 60% caem na fase policial, se mais tantos outros demoram dez anos [para serem julgados], o efeito pretendido de executar a pena mais rápido vai ser muito limitado, pois está limitado à base que conseguiu chegar ao julgamento.”

Vale lembrar que a lei permite a prisão de presos perigosos de maneira cautelar (provisória), ainda que não tenham sido condenados. Cerca de 40% dos presos no Brasil nunca passaram por um julgamento.

Além dessa definição se um réu condenado nessa tribunal pode começar a cumprir pena após a sentença na primeira instância, o STF julga se cabe recurso contra julgamento do Tribunal do Júri que absolva o réu na contramão das provas indicadas no processo.

A análise do tema ocorre em um recurso que discute se o tribunal de segunda instância pode determinar a realização de um novo júri caso o primeiro tenha inocentado o investigado por clemência, piedade ou compaixão e de forma manifestamente contrária aos indícios presentes nos autos.

Na análise do recurso que teve julgamento iniciado em outubro, o Ministério Público de Minas Gerais afirmou que aceitar a absolvição por clemência, sem possibilidade de recurso, significa o Supremo autorizar o restabelecimento da vingança e da justiça com as próprias mãos.

No caso concreto, o Conselho de Sentença do Júri, mesmo reconhecendo a autoria do delito, absolveu um homem por tentativa de homicídio pelo fato de a vítima ter sido responsável pelo assassinato de seu enteado.

Em um caso similar julgado em outubro, a Primeira Turma do Supremo rejeitou a realização de um segundo Tribunal do Júri contra um homem que, no primeiro, foi absolvido da acusação de tentar matar a esposa com golpes de faca por imaginar ter sido traído.

Por ora, o Supremo tem ao menos quatro votos para decidir que não cabe recurso contra julgamento do Tribunal do Júri que absolva o réu na contramão das provas indicadas no processo.

O julgamento teve início em outubro, em sessão virtual, mas foi interrompido e remetido ao plenário presencial a pedido do ministro Alexandre de Moraes. A ideia é pacificar um entendimento sobre o tema, uma vez que o tribunal tem dado decisões em sentido diverso em processos similares.    / Por: Agência Brasil 

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